segunda-feira, 26 de março de 2012

Nome e Sobrenome

Quando foi que os nomes passaram a ser determinantes? Nada contra as revistas de bebês que sugerem nomes oferecendo também suas origens e significações. O nome Agenor, por exemplo tem origem grega e quer dizer viril, másculo, porém adicionar que este elemento seja capaz de determinar o sujeito, nos remete às concepções do misticismo.

A psicanálise também pode oferecer uma possibilidade discursiva sobre as significações dos nomes. Já adianto que não estou falando sobre uma assertiva determinista, aliás é justamente contra esta acepção que a psicanálise vai se levantar. Ora, pensemos em AGENOR. O que significa ser viril? Másculo? Até podemos pensar na ideia de virilidade relacionada com o feminino, no sentido de vigor ou de esforço, mas geralmente a qualidade de viril liga-se ao masculino, especialmente a uma parte específica do homem. Acrescentando o termo másculo, temos uma leve ideia de que tipo de sujeito estamos formulando. Homem com H, macho, cabradapeste... não devem existir Agenores gays. Seguindo este raciocínio fica fácil relacionar o jovem Thor e seu incidente no Rio de Janeiro. O grande deus do trovão em toda sua ira, literalmente, atropelou um reles mortal. Mas falando no Thor Batista, filho do empresário Eike Batista e não o personagem mitológico ou a criação de Stan Lee, até onde conseguimos sustentar o fato de que o rapaz ter o nome Thor levou-o a atropelar um ciclista? Se seu nome fosse Agenor, o acidente aconteceria da mesma forma?

Talvez sim, talvez não. Afirmar uma coisa dessas sairia completamente da psicanálise, contudo podemos confabular. Ouvi, noutro dia durante uma aula de que o nome pode determinar o sujeito, assim devemos ter cuidado ao escolher os nomes dos futuros bebês. Vide o exemplo da afortunada família Batista. Também foi dito em aula sobre a apresentação narcísica do patriarca da família, sua exibição enquanto detentor de grande poder, seus presentes de aniversário para o filho, a Mercedes SLR Mclaren (+/- R$ 2 milhões) e, as possibilidades do portador do nome Thor vir a assumir seu lugar em Asgard, ou pelo menos, nos negócios da família.

Só estou dizendo isso para justificar o seguinte: também foi dito sobre as formulações de Lacan acerca do significante. Sabe-se que este conceito é tirado da linguística de Saussure, com uma diferença. Para Saussure o signo linguístico é arbitrário, isto quer dizer que, o significante "S" (a imagem acústica; não apenas o som, mas também a marca psíquica desse som) não é motivado, visto não ter qualquer tipo de ligação natural ao significado "s" (conceito) - s/S. Desta forma a ideia de pé não está ligada por nenhuma relação à cadeia de sons p + e que lhe serve de significante, podendo ser representado por qualquer outra. Não há uma relação imutável de colamento entre significante e significado, existe sim uma autonomia do significante com relação ao significado, sendo esta autonomia o que permite as substituições presentes na metáfora e na metonímia.

Lacan inverte a fórmula de Saussure, dando primazia no signo linguístico para o significante sobre o significado - S/s, não só isso, mas sobretudo à cadeia significante. O que muda aqui, é que o significado passa a ser produto do deslizamento dos significantes. Quando falamos, em nosso discurso, há uma série de significantes dispostos temporalmente. O significado total do enunciado não está fadado à soma dos significados de cada palavra.

Entendemos melhor estes conceitos quando juntamos o axioma lacaniano: "o inconsciente está estruturado como uma linguagem." Isto não é o mesmo que dizer que o inconsciente é uma linguagem, mas que seus mecanismos são os mecanismos de uma linguagem. Bom, vou tentar ilustrar com um exemplo para depois poder avançar.

Pense no significante ROSA. Você poderia perguntar: a flor? a cor? ou a filha do Zé?... Pensar que o significante por si só seja capaz de determinar algo, é uma leitura muito superficial da teoria lacaniana. Este erro vem quando analisamos a estrutura S/s por ela mesma. Ora, não dissemos que o S está sempre presente numa cadeia de outros significantes? Ajudaria a pensar no significante ROSA se eu dissesse uma frase completa: "A Rosa tem o cheiro da flor que lhe empresta o nome." Mesmo tentando ser poético, os significados ficam um pouco mais claros sobre o significante dentro de um contexto. De novo, pense no significante ROSA. Mas, de onde vêm esta cadeia de significantes? Existe um local de origem, um ponto de referência que determina todo o resto dos significantes?

Poder articular cada significante individualmente é um privilégio de poucos. Para ser mais exato, trata-se de um privilégio da psicose. Para os não-psicóticos e, que já passaram (ou estão passando) por um processo de análise, sabem o que quer dizer dar profundidade a um significante. O que acontece no divã é ouvir o analista dar maior ênfase numa ou noutra palavra. Diante de minha frase este poderia dizer: "Me fale sobre a rosa!", por minha vez estaria tentando explicar o por quê usei a palavra "rosa" para dar este exemplo e não Maria ou girassol. O mal-estar criado a partir disso se deve ao fato de que o significante está encadeado em algo que revela o sujeito. E o que o sujeito revela? Revela uma falta!

Em lacanês: "o Sujeito é um significante que se relaciona com outro significante".

É possível articular o primeiro significante (S1) a partir do Estádio do Espelho, sabendo que existe ali uma demanda. Só é possível ao bebê reconhecer sua imagem no espelho, pois há um outro que lhe diz: "Tu és isso!" Esse investimento libidinal é da ordem da metáfora materna. É dentro desta completude que o bebê vai se inscrevendo no mundo, a partir do discurso da mãe. Não à toa Lacan dizia que "antes de falar, somos falados". Pois bem, este investimento que a mãe faz com relação ao bebê - incluindo aqui a escolha do nome - trata-se de uma cadeia de discurso que o insere num lugar. Isto faz com que o bebê seja o Fulano e não um hamburguer. Se num primeiro momento é oferecido ao bebê um lugar que o completa, pois se chora de fome, logo é saciado, se chora de novo tem as fraldas trocadas, Lacan dizia que o bebê é inserido num lugar de desejo, o desejo da mãe. O bebê é o desejo do desejo da mãe. Esta seria a entrada da criança no complexo de Édipo que Lacan dividiu em 3 tempos.

Sabemos também que o desejo da mãe a remete a algo. Existe uma lei que organiza este desejo, que o limita, que o priva, que o interdita. Contudo, de quem é a Lei? Quem porta, no discurso, o "não"? Aquilo que Lacan chamou em sua teoria de metáfora paterna, ou o significante do Nome-do-Pai, foi algo que ficou de fora na aula, mas que tem sua importância, não apenas para a teoria psicanalítca, mas também para a constituição do sujeito. Temos aqui um ponto central, pois marca a entrada da criança no simbólico, o que num outro momento (S1) foi possível à criança constituir um imaginário. Ouvi certa vez uma mãe dizendo ao filho que não parava de chorar: "Se você não fechar a boca, vou chamar a polícia!", já podem imaginar que o choro agora não passava de alguns soluços acompanhados de olhares assustados. Ótimo que a mãe tenha feito uso da polícia, ninguém melhor para ser portador da lei. Mas, nem sempre é assim, existem outros portadores e um deles mora debaixo do mesmo teto. A função da metáfora paterna remete ao pai, não apenas ao personagem masculino, marido da mãe, que detém um falo, é preciso que antes a mãe autorize a entrada deste pai enquanto castrador. Não por acaso, muitas mães diante da desobediência dos filhos, nomeiam terceiros na relação mãe-bebê como personagem ameaçador: "Se não parar de fazer arte, quando seu pai chegar você vai ver!". A criança se vê diante da ameaça da castração, isso faz com que a Lei também a organize, pois se é válido para a mãe, que só tem o falo enquanto objeto do desejo, vale também para a criança.  

Em termos práticos, temos algo assim:


Em termos teóricos, esta privação cria na estrutura do sujeito um ponto. Lacan chamou a isso de ponto de estofo, ou ponto de capiton (S2). É o que articula o simbólico. É possível agora construir cadeias de significantes, uma vez que os três registros estão presos por um nó. Real, Imaginário e Simbólico. É possível, neste momento, a neurose. Se houve um primeiro significante, S1, e agora diante do não, um outro significante, S2, que se liga ao outro, é possível o S3, S4, S5... S249... Sabendo disso, o analista consegue ouvir o analisando de um outro lugar, pois sabe que qualquer significante dito remete a uma cadeia que o insere num discurso. Algo assim:


Não existem significantes soltos, ditos ao acaso. Claro, que há a possibilidade da não configuração do Nome-do-Pai, Lacan chamou a isso de "forclusão do Nome-do-Pai". Pode-se pensar na psicose quando o simbólico se instaura como ausente. Um bom exemplo e que pode ser acessado, ou melhor, assistido é o caso do documentário Estamira, de Marcos Prado. Sem o ponto de estofo que organiza a cadeia de significantes, qualquer significante pode ser qualquer coisa. Reparem no que Estamira faz com o nome, este é tomado pura e simplismente como significante, assim Estamira, pode ser esta mira, ou aquilo que serve como centro do olhar. Estamira não está fadada à Lei simbólica que a direciona a falta, seu discurso pode se servir de significantes disponíveis a céu aberto, algo assim:


O nome de Estamira não a remete a uma filiação. Pensando nos exemplos da relevância dos nomes, se o nome pode ser substituído pela palavra "determina", sabemos que existe também um sobrenome, temos então algo que "sobredetermina". Para quem leu Engels, em A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, sabe que em algum momento da história da civilização as famílias eram organizadas a partir da mãe. Filiava-se numa ou noutra família a partir da mãe, só com o surgimento da propriedade privada é que as famílias passaram a se organizar levando em consideração o pai. Se antes eram as mulheres livres para se casar com outros homens tendo vários filhos com vários homens, como ficava o direito à herança que provinha do pai? Para dar conta disso, ou seja, para que os bens não se dispersassem e ficassem numa mesma família, criou-se a monogamia (escrevi sobre isso aqui). Em algum momento da história as famílias eram representadas não mais pelo nome, mas pelo sobrenome. Não nos parece obra do acaso que o sobrenome que faz filiação seja justo o do pai. Quando uma criança nasce o último nome registrado no cartório, invariavelmente, é o nome do pai. 

Que um sujeito hoje possa alterar seu nome nos registros, tirar o sobrenome, delegar poder à numerologia, é uma coisa. Apagar o Nome-do-Pai da estrutura é outra coisa. Um bom exemplo é o cantor Prince, que mudou seu nome para um símbolo contido na capa do disco The Love Symbol Album. Se Prince é psicótico, pensaria nesta questão de uma outra forma. Porém, talvez seja relevante o fato de que seu novo nome é impronunciável, pois fora da cadeia de significantes não pode assumir lógica enquanto palavra, somente enquanto coisa; talvez seja relevante que o símbolo junte representações do masculino assim como do feminino, sendo coisa apenas não porta identidade, gênero ou sexuação (sobre as fórmulas da sexuação ler aqui); talvez seja relevante que o cara é um workaholic, pois pode usar o trabalho como forma de não entrar em contato com a falta; talvez seja relevante as constantes disputas com as gravadoras que o limitavam, pois estas assumiam o papel de castradoras. Ou talvez não seja nada disso. 

O ponto é que um nome só é determinante, na medida em que é um significante. Um significante só tem sentido dentro de uma cadeia de outros significantes. O ponto nodal desta cadeia remete ao recalque. O recalque remete à falta. A falta nos lança ao mundo. E, o mundo está cheio de misticismos, teorias, conspirações, ideologias...

Referencial: 
A Clínica. In: Pscicanálise Lacaniana, Cap. IV, de Márcio Peter de Souza Leite. Disponível em http://www.marciopeter.com.br/links2/psilacan/psilacaclinica.html.

CALLIGARIS, Contardo. Introdução a uma clínica diferencial das psicoses. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.

ENGELS. Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do estado. Disponível em http://www.4shared.com/office/PYLjq1Vt/file.html.

Fundamentos de Jacques Lacan, disponível em http://psicanaliselacaniana.vilabol.uol.com.br/fundamentos.html.

GENTIL, Ana Catarina. O signo: significado e significante. FBAUL, 2006. Disponível em http://aquele.do.sapo.pt/fbaul/3941significSignificantXX.pdf.

LACAN, Jaques. A foraclusão do nome-do-pai. In: O seminário, livro 5: as formações do inconsciente. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1999.

_____________. A metáfora paterna. In: O seminário, livro 5: as formações do inconsciente. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1999.

_____________. Os três tempos do Édipo. In: O seminário, livro 5: as formações do inconsciente. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1999.

_____________. Os três tempos do Édipo (II). In: O seminário, livro 5: as formações do inconsciente. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1999.

_____________. O estádio do espelho como formador da função do eu. In: J. Lacan, Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

Saussure - Signo, significante e significado. Disponível em http://blog.cybershark.net/miguel/2009/02/12/saussure-signo-significante-e-significado/.

quinta-feira, 22 de março de 2012

Sexo e vergonha

Por Contardo Calligaris em 22/03/2012

Os que consideramos maníacos sexuais são apenas os que praticam mais sexo do que a gente

IMAGINE ALGUÉM que acaba sua noite com um sexo rápido e intenso, em pé, embaixo de uma ponte, e eis que, uma vez em casa, ele entra na internet e transa virtualmente com uma stripper de site on-line.

Não há gozo que lhe baste: sempre sobra a vontade de mais uma vez, mesmo que seja se masturbando com esforço. Outra noite, depois de ter brincado pesado com uma moça num bar, ele se pega com um cara no labirinto de uma boate gay: na procura por mais sexo, vale tudo.

Mas cada rosa tem seus espinhos. O disco rígido do nosso jovem está repleto de pornografia, até no computador do escritório -o que é arriscado. E, sobretudo, ele está aflito: a vergonha o leva a jogar fora (periodicamente) os apetrechos de sua sexualidade fantasiosa, e ele sente culpa de não conseguir ser o irmão, o amigo -e, quem sabe, o namorado- que ele talvez gostasse de ser.

Se esse alguém pedir ajuda a um terapeuta, alguns colegas tirarão da manga o "diagnóstico" de sexo-dependência ("sexual addiction") e proporão o programa em 12 passos (ensinado nas especializações em sexo-dependência), para que o indivíduo aprenda a se controlar e a renunciar, ao menos em parte, ao sexo, que teria se tornado, para ele, uma espécie de droga.

Mesmo sem acreditar nos 12 passos, outros colegas concordarão com o diagnóstico e simpatizarão com o "óbvio" sofrimento do "sexo-dependente" -afinal, eles imaginarão, essa prática endemoniada do sexo "deve", no mínimo, aviltar o indivíduo aos seus próprios olhos.

Outros colegas ainda (e eu com eles), ao receber o pedido de ajuda de um suposto sexo-dependente, reagiriam de maneira diferente: não se preocupariam nem com as fantasias, nem com as práticas sexuais do paciente, mas com a culpa e a vergonha que as acompanham.

Eu também anunciaria ao paciente que não sei (ninguém sabe) disciplinar o desejo sexual; só posso, se ele quiser, tentar disciplinar a culpa e a vergonha que azucrinam sua vida e estragam seus prazeres.
Quem viu "Shame" (vergonha), de Steve McQueen, percebeu que nosso paciente hipotético se parece com o protagonista do filme.

Em cartaz desde sexta passada, "Shame" é, ao mesmo tempo, ousado e careta. Ousado, pelo retrato da procura sexual do protagonista (muitos, sem dúvida, se reconhecerão), e careta, porque essa procura parece ser necessariamente doentia, culpada e vergonhosa.

Concordo com Cássio Starling ("Ilustrada" de 16/3): o filme é ótimo, mas discordo do destaque do artigo, segundo o qual "McQueen foge do moralismo ao abordar a compulsão por sexo". Quem enxerga o desejo sexual do outro como uma patologia é sempre moralista. Em matéria de sexo, patologizar é o jeito moderno de estigmatizar e policiar (conselho: fuja de parceiros que acham você "doente").

McQueen (na mesma "Ilustrada") declarou que o negócio dele é desafiar as pessoas. Ora, apresentar um obcecado por sexo como um doente que sofre de vergonha e culpa, isso não é desafio algum -ao contrário, é a confirmação de um lugar-comum.

Um lugar-comum confirmado por psiquiatria e psicologia? Nem isso.

Certo, desde o século retrasado, a psiquiatria e a psicologia são regularmente chamadas a substituir a religião, que (digamos assim) cansou de ser a grande ordenadora e controladora do comportamento humano. No caso, a ideia da "sexo-dependência" surgiu nos anos 1970 -provavelmente, como reação contra o interesse "excessivo" pelo sexo durante a dita liberação sexual dos anos 1960.

Mas, sentindo talvez o bafo do moralismo, muitos psiquiatras e a psicólogos receberam essa categoria diagnóstica com desconfiança. Quem a adotou e promoveu foram a imprensa e o grande público (e isso bastou para que surgisse uma pequena indústria de clínicas, programas universitários etc.). Mas por quê, então, esse sucesso popular da "sexo-dependência", na qual McQueen parece acreditar?

Apenas uma constatação: a associação de sexo com vergonha e culpa é um bordão cultural muito antigo, no qual somos convidados a acreditar por todo tipo de poder. A exigência de domesticar o desejo sexual parece ser, aos olhos de todos, um pré-requisito básico de qualquer ordem social.

Além disso, há a eterna inveja dos reprimidos: como dizia Alfred Kinsey, em regra, os que consideramos doentes e maníacos sexuais são apenas os que praticam mais sexo do que a gente.

segunda-feira, 19 de março de 2012

O caminho de volta

"O gato bebe leite, o rato come queijo e eu sou palhaço. E você?"

Encontramos pessoas que, geralmente se definem em busca de seus sonhos. Estão correndo atrás de sucesso, dinheiro, felicidade, ou até mesmo comprar um ventilador... enfim, de uma vida melhor daquela que levavam. Assistir ao filme "O Palhaço", sob a direção de Selton Mello, me fez pensar - de uma forma bem emocionada, confesso - no caminho de volta que se faz em situações assim.

Claro, existe algo de pessoal nestas palavras, pois o filme acompanha os integrantes de um modesto circo no, ao que parece, interior mineiro. Mais especificamente, o filme conta a história de Benjamim, um palhaço que está perdendo a graça e vai redescobrindo o prazer por aquilo que faz. Digo pessoal porque tive a honra de assistir a muitos espetáculos circenses em circos tão humildes quanto ao que é retratado no filme. O que conhecia por peças teatrais eram encenadas sobre um picadeiro. Outro ponto é a estrada que o circo toma entre suas apresentações, estas são rodeadas pela cana-de-açúcar. Esta planta é uma das principais culturas trabalhadas na região de minha terra natal, no interior paulista. Isto tornava meus passeios de bicicleta pelos sítios alheios com uma paisagem singular, e repetitiva. Sem falar na simplicidade das cenas retratadas no filme e, na simplicidade de minha infância numa cidadezinha de pouco mais de 5 mil habitantes.

Voltando ao filme, Benjamim (Selton Mello) parece estar sobrecarregado em seu trabalho, naquilo que desempenha como palhaço. Logo no começo do filme dizem a Benjamim que este deveria ter um ventilador. Este parece ser o único pedido voltado ao próprio palhaço, o restante dos pedidos são para Benjamim resolver, o adiantamento dos músicos, o conserto do caminhão, os cuidados com os trapezistas, o sutiã que arrebentou... Não é claro para Benjamim sua busca, a não ser o ventilador. Em um momento diz a seguinte frase: "Pai, acho que eu não tô dando conta", é certo que a graça voltada aos outros parece estar se esvaindo para aquele que deveria ser seu portador. Mas o que fazer? Sem identidade, CPF e comprovante de residência, Benjamim não é diferente de muitos de nós. Não porque possuímos (ou não) CPF ou comprovante de residência, tampouco identidade, que num sentido metafórico pode referir-se não só ao documento, mas também às características de um sujeito. O que quero dizer é que em alguns momentos somos reduzidos a isso. Se para nós que portamos documentos que nos identificam e, consequentemente, acabam nos definindo isso faz com que meus títulos se sobreponham a minha pessoa. Por exemplo, se quero comprar uma TV e tenho o "nome sujo" no Serasa, pouco importa se no dia anterior salvei uma família inteira de um acidente trabalhando como bombeiro, o fato é que não comprarei a TV, ao menos parcelada. As leis de mercado são objetivas e não subjetivas, mas não significa que meus desejos também sejam assim. Para Benjamim que não possui identidade (o documento), deve se descobrir ou se afirmar de uma outra maneira, mais subjetiva, digamos assim. Daí a crise. A quantidade de elementos dispostos a ajudarem a nos definirmos objetivamente é incontável, novelas, roupas, móveis, carros, BBB, presentes, trabalho, músicas... No meio de tudo isso, o que de fato buscamos?

Se em algum momento nos sentimos perdidos diante da pergunta que acabei de fazer, como podemos sentir a satisfação de trilhar o caminho de volta de nossa busca? Vou tentar explicar melhor. Fica simples quando desejamos comprar um objeto qualquer, por exemplo. No momento da compra, sentimos que todo o esforço valeu a pena. Ao retornar para casa chegamos a exibir suntuosamente nossa aquisição. Sentimos os "olhares invejosos" de terceiros. Contudo, isso dura até o dia seguinte, no momento em que um novo objeto assume nosso desejo. Percebem como o pressuposto "todo esforço" se invalida? Diferentemente - e aqui é apenas a minha opinião - quando podemos nos definir por aquilo que somos. Quando nosso desejo é simplesmente ser desejante. Quando percebemos que qualquer esforço vale a pena, o que não é o mesmo que dizer "todo esforço". Quando sabemos que não somos de fato aquilo que desejamos ser, e que no fundo talvez nunca seremos, mas isso não impede de perceber que no fim do dia tivemos a chance de ser melhor do que fomos. O caminho de volta ao descobrir a simplicidade de viver está a cada passo, só não o percebemos. Mesmo que seja buscar um amor que não está lá, o importante nisso tudo talvez seja reconhecer o desejo. Temos aqui um bom uso para a metáfora do ventilador. Para Benjamim a graça do palhaço Pangaré não difere muito da graça de Benjamim enquanto sujeito. Esta busca é algo que não está em um único objeto, ou em um único desejo. Nem definida por idealismos deterministas. Em situações assim portar algo que ventila a dor é suficiente. 

Todo caminho de volta deveria ser assim:

sábado, 17 de março de 2012

Problemas com Win7 (bootmgr is compressed)








Só adicionando algo que já me salvou 2 vezes quando apareceu a mensagem acima no meu computador.

1ª - Coloque o dvd do windows 7 no drive de DVD e dê boot por ele.
2ª - Depois de confirmado o idioma e o teclado selecione a opção "reparar".
3ª - Na tela que aparece listado o windows 7 selecione a primeira opção (que por padrão já vem marcada) e clique em avançar.
4ª - Na tela em que aparece várias opções de recuperação selecione a última "prompt de comando".
5ª - no prompt de comando digite os comandos abaixo um a um.

bootrec.exe /fixmbr [enter]
bootrec.exe /fixboot [enter]
bootrec.exe /rebuildbcd [enter]

No meu caso, na parte 3 aparece a mensagem de que "Essa versão das Opções de Recuperação do Sistema não é compatível com a versão do Windows que você está tentando reparar. Tente usar um disco de recuperação que seja compatível com essa versão do Windows" , para chegar ao "prompt de comando" faço o seguinte:
- Na estapa 3, seleciono a opção "Restaurar seu computador usando uma imagem do sistema criada anteriormente" e clico em Avançar;
- Em "Recuperar imagem do computador" clico em Ignorar;
- Aparece a opção de Repetir e Cancelar, clico em Cancelar;
- Em "Selecionar um backup de imagem de sistema", clico em Cancelar;
- Pronto! Está aberto as "Opções de Recuperação do Sistema";
- Agora é só seguir as estapas 4 e 5;

Ativador

sábado, 10 de março de 2012

Conselho para escolher carreira

Por Contardo Calligaris - Folha de São Paulo em 03 de junho de 2010.

Você pode mudar de faculdade e de carreira, e essas mudanças não são a prova de fracasso algum

A escola pública italiana impunha uma aula semanal de religião (católica, claro). Na terceira série, aprendi que, para me tornar sacerdote, seria imprescindível que eu tivesse "a vocação" (com o artigo definido).
 

Em princípio, essa condição facilitava as coisas: afinal, ou eu era chamado por Deus ou não era. No entanto, Deus não chama a gente por carta registrada.
 

Era possível, eu pensava, que ele se manifestasse por sinais misteriosos, que eu não entenderia, ou pior, que eu evitaria entender -talvez porque preferisse perseguir ambições mais mundanas ou porque meus pais não gostassem da ideia de ter um filho padre.
 

Seja como for, se eu recebesse, mas não escutasse a chamada, não estaria apenas fazendo pouco caso da vontade divina: eu estaria fugindo de meu destino, seria culpado de desperdiçar minha vida.
 

Na quarta e quinta séries, foi a vez de o Estado se preocupar com nossas vocações. Naquela época, era necessário escolher muito cedo entre o clássico, o científico e os cursos técnicos que levavam diretamente para o trabalho, sem dar acesso para as faculdades.
 

Tratava-se, portanto, de saber se tínhamos jeito para as humanas ou para as exatas e, em cada caso, qual era o tamanho do nosso jeito. Uma casa caiu, sepultando seus moradores; seu primeiro pensamento é "se Deus existe, por que ele permite tamanho sofrimento?"; pois bem, as humanas são sua vocação.
 

Restava verificar, com outros testes, se você tinha pano suficiente para ser professor de filosofia ou se era melhor que você se contentasse em ser repetidor no primário.
 

De fato, a orientação profissional precoce eternizava a divisão social (nunca vi um aluno de classe média-alta ser encaminhado para cursos técnicos). Mas a intenção era nobre: descobrir qual era a semente escondida em cada um de nós.
 

Detectando o embrião de nossas aptidões e disposições, poderíamos agir de maneira que a vida realizasse plenamente o nosso potencial.
 

A partir dos anos 60, em grande parte graças à influência da psicologia de Alfred Adler, ficou claro que, na hora de escolher uma carreira, os talentos e as predisposições são tão importantes quanto os sonhos, os devaneios, as paixões e as imagens idealizadas de tal ou tal outra profissão que encontramos, por exemplo, nas ficções que nos marcam.
 

O medo de não escutar a chamada divina foi substituído pelo medo de não entender direito nosso próprio desejo -pois seríamos competentes, "realizados" e felizes só se nossa profissão for uma extensão de nossas paixões íntimas. Nesse caso, o trabalho seria leve e divertido, como um hobby.
 

Em suma, a semente que estaria em nós e que deveria vingar se tornou mais complexa. Mas a ideia de que existe uma semente que é preciso descobrir continuou valendo e preocupando pais e filhos.
 

Uma leitora, Cecília, me escreve sobre as inquietudes da filha, Luana, 16, na hora de escolher uma carreira que esteja "em consonância com a personalidade, o temperamento, o querer" de Luana e também "com o mercado do trabalho".
 

Uma sugestão para Luana. Entendo que a escolha de um vestibular, de uma faculdade e, em última instância, de uma profissão, pareça um ato definitivo, mas não é nada disso.
Você pode mudar de faculdade e de carreira; pode cursar um ano de direito, escolher passar para ciências sociais, decidir que o que você realmente quer é biologia e, quem sabe, cursar medicina aos 35 anos. Menos óbvio e mais importante é entender que essas mudanças não seriam a prova de fracasso algum.
 

Se você mudar de faculdade ou carreira, não será porque você se enganou na tentativa de descobrir qual era a semente que você carregava consigo.
 

Aliás, esqueça a ideia da semente. Ser jovem não é ser semente; é ser, antes de mais nada, uma narrativa aberta. Imagine que você é o começo de uma história: havia uma moça de 16 anos que gostava dos Beatles e dos Rolling Stones e, um belo dia, ela saiu para fazer sua inscrição no vestibular... Continue. E lembre-se de que uma boa história tem reviravoltas e surpresas.
 

Em poucas palavras, em vez de tentar descobrir a famosa semente, invente sua vida.

Considerações sobre novos desejos

Por Contardo Calligaris - Folha de São Paulo em 19 de maio de 2011.

Causa da depressão pode não ser perda e frustração, mas a chegada de novo desejo, que é silenciado

UM JOVEM não sabe o que ele está a fim de fazer da vida, e os pais pedem que eu descubra qual é o desejo do filho, de modo que ele possa escolher o vestibular e a profissão que ele "realmente" gostaria.
 

Na mesma semana, encontro um adulto que acha que, de fato, nunca fez nada por desejo. Embora bem-sucedido, queixa-se de que suas escolhas (profissionais e amorosas) sempre teriam sido circunstanciais, efeitos de oportunidades encontradas ao longo do caminho. Ele pede, antes que seja tarde, que eu o ajude a descobrir qual é "realmente" o seu desejo.
 

Nos dois casos, o pressuposto é o mesmo: quem viver segundo seu desejo será, no mínimo, mais alegre. Esta é mesmo uma boa definição da alegria: a sensação de que nosso desejo está engajado no que estamos fazendo, ou seja, de que nossa vida não acontece por inércia e obrigação. Inversa e logicamente, muitos estimam dever sua (grande ou pequena) infelicidade ao fato de terem dirigido a vida por caminhos que - eles declaram - não eram exatamente os que eles queriam.
 

Pois bem, esse pressuposto e os pedidos que recebi se chocam com esta constatação: o "nosso desejo" nunca é UM desejo definido por UM objeto ou por UM projeto. Não existe, nem escrito lá no fundo escondido de nossa mente, UM querer definido, que poderíamos descobrir e, logo, praticar com afinco e satisfação porque estaríamos fazendo aquela coisa ou caçando aquele objeto aos quais éramos, por assim dizer, destinados. Nada disso: de uma certa forma, todos os objetos e os projetos se valem, e nenhum é "nosso" objeto ou projeto específico. Ou seja, nós desejamos sempre segundo as circunstâncias, os encontros, as oportunidades - segundo as tentações, se você preferir.
 

Somos volúveis? Nem tanto, pois cada objeto e projeto não substitui necessariamente o anterior. O que acontece é que desejar é uma atividade inventiva a jato contínuo.
 

Por consequência, mesmo quando estamos alegremente convencidos de estar fazendo o que queremos com nossa vida, nunca estamos ao abrigo do surgimento de desejos novos.
 

Claro, podemos aceitar esses desejos novos. Por exemplo, em "As Confissões de Schmidt" (que não é um grande filme), de A. Payne, com Jack Nicholson, o protagonista acorda de noite, olha para sua mulher de sei lá quantos anos e se pergunta estupefato: "Quem é esta mulher que dorme na minha cama?". Logo, ele dá um rumo novo à sua vida, colocando o pé na estrada. Mas a expressão de seus novos desejos é fortemente facilitada por duas circunstâncias: providencialmente, o protagonista se aposenta e fica viúvo. Nessas condições, escutar novos desejos fica fácil, não é?
 

Agora, imaginemos alguém que esteja no meio de sua vida profissional e num bom momento de sua vida amorosa. Nesse caso, provavelmente, o novo desejo será silenciado, reprimido, menosprezado ("deixe para lá, é besteira"). Resultado: o indivíduo continuará declarando que está vivendo a vida que ele queria (e, em parte, será verdade); só que, de repente, sem entender por quê, ele perderá sua alegria.
 

Por que razão nosso indivíduo negligenciaria seus novos desejos? Simples: por serem novos, eles acarretam a ameaça de uma ruptura no presente: afetos e laços que poderiam ser perdidos, medo da solidão e preguiça dos esforços necessários para reinventar a vida.
Infelizmente, essa negligência tem um custo alto. Sempre entendi assim a "Metamorfose", de Kafka: alguém acorda, e o que até então era uma vida normal e legal, de repente, aos seus olhos, é uma vida de barata.
 

Nota útil para a clínica da depressão. Às vezes, procuramos em vão as causas de uma depressão; será que houve lutos ou perdas? Nada disso; está tudo bem, trabalho, família, filhos e tal, mas o indivíduo entristece, volta a fumar e a beber como se quisesse encurtar a vida, engorda como se estivesse num mar de frustração e precisasse de gratificações alternativas.
 

Em muitas dessas vezes, a origem da depressão não é uma perda, nem propriamente uma frustração, mas a aparição de um desejo novo que não foi reconhecido. E os novos desejos, sobretudo quando são silenciados, desvalorizam a vida que estamos vivendo.
 

Moral da fábula: 1) Não existem vidas definitivamente resolvidas, pois novos desejos surgem sempre; 2) É bom reconhecer os novos desejos, mesmo que deixemos de realizá-los.

quarta-feira, 7 de março de 2012

A mulher não existe

 Por Arnaldo Jabor - O Estado de São Paulo 06/03/2012

Depois de amanhã é o Dia Internacional da Mulher. E várias amigas já me pedem: "Escreve, escreve sobre nós!..." E muitas me dão pistas, dicas do que dizer. Uma delas, se disse "perua inteligente" e me escreveu: "Antes, as mulheres eram escravas passivas, hoje somos ativas, mas continuamos escravas. Mesmo sendo frígidas, temos de insinuar grandes desempenhos sexuais. Temos de prometer 'funcionamento'. Não é por acaso que eles nos chamam de 'aviões'. É só olhar as revistas masculinas. O que está acontecendo no Brasil é a libertação da 'mulher-objeto'. A publicidade é toda em cima de sexo."

É verdade, penso eu: a bunda é a esperança de milhões de Cinderelas. O corpo tem de dar lucro.

As mulheres querem ser disputadas, consumidas, como um bom eletrodoméstico. Ficam em acrobáticas posições ginecológicas para raspar os pelos pubianos nos salões de beleza e, depois, saem felizes com apenas um canteirinho de cabelos, uns bigodinhos verticais que lembram o Hitler ou bigodinhos nordestinos. A liberdade de mercado produziu o mercado da "liberdade".

Sempre me espanto com o Dia da Mulher. O psicanalista Lacan disse que "A Mulher" não existe, pois não há nenhuma coisa que as unifique. Eu nunca conheci a Mulher. Eu já amei e odiei "mulheres". Então, por que esse título genérico? Existe a mulher de burca, a stripteaser, existe a freira, a bondosa, a malvada, existe Eva e Virgem Maria, existe a histérica, a obsessiva. A "Mulher" é invenção dos machos.

Sempre que chega esse Dia Internacional, nós machistas elogiamos o lado "abstrato" das fêmeas, sua delicadeza, sua capacidade de perdão (sic), sua coragem, em textos de hipocrisia paternalista, como se falássemos de pobres, de crianças ou de vítimas. Claro que na História, as mulheres foram e são oprimidas, estupradas na alma e corpo.

Mas não é como vítimas que devemos lamentá-las ou louvá-las . Sua importância é afirmativa, pois elas estão muito mais próximas que nós da realidade deste mundo aberto, sem futuro ou significado. Elas não caminham em busca de um "sentido" único, de um poder brutal. Não é que sejam "incompreensíveis"; elas são mais complexas, imprevisíveis como a natureza. O homem se crê acima do mistério, mas as mulheres estão dentro. São impalpáveis como a realidade que o homem "pensa" que controla. A mulher pensa por metáforas. O homem por metonímias. Entenderam? Claro que não. Digo melhor, a mulher compõe quadros mentais que se montam em um conjunto simbólico, como a arte. O homem quer princípio, meio e fim.

A mulher não é um enigma. Nós é que somos, disfarçados de sólidos. Os homens são óbvios, fálicos. A mulher não acredita em nosso amor. Quando tem certeza dele, para de nos amar. O homem só vira homem quando é corneado. A mulher não vira nada nunca... Nem nunca é corneada, pois está sempre se sentindo assim... Como no homossexualismo: a lésbica não é veado.

A mulher precisa do homem impalpável. As mulheres têm uma queda pelo canalha (cartas indignadas para a redação). O canalha é mais amado que o bonzinho. Ela sofre com o canalha, mas isso a legitima, pois ela quer que o homem a entenda e o canalha lhe dá um sentido claro com sua viril antipatia. As mulheres não sabem o que querem; o homem acha que sabe. O masculino é certo; o feminino é insolúvel. A mulher é metafísica; homem é engenharia. A mulher deseja o impossível; desejar o impossível é sua grande beleza.

Elas ventam, chovem, sangram, elas têm inverno, verão, TPMs, raiam com a luz da manhã ou brilham à noite, elas derrubam homens com terremotos, elas nos fazem apaixonados porque nelas também buscamos um sentido que não chega jamais. Elas querem ser decifradas por nós, mas nunca acertamos no alvo, pois não há alvo, nem mosca.

Daí o pânico que sentimos diante dessas forças da natureza, com nossas gravatas da cultura, daí o ódio que os primitivos cultivam contra elas, daí os boçais assassinos do Islã apedrejando-as até a morte. As mulheres são sempre várias. Isso não as faz traidoras; nós é que nos achamos "unos". Só os autoconfiantes são traídos. Esta é uma das razões do sucesso das putas. O que buscamos nelas? Os homens pagam para que elas não existam, para que sejam úteis, sem vida interior. Pagamos a prostituta para que nos dê uma trégua, para que não nos confunda, não nos traia. Nós nos deixamos enganar e ela finge que não nos engana. Ela nos despreza, claro, mas muitos preferem essa humilhação consentida, em vez de um amor puro e perigoso. A prostituta só ama o cafetão porque ele a esbofeteia e lhe dá o alívio de se sentir injustiçada.

O único grande mistério talvez seja a divisão entre os sexos. Por mais que queiramos, nunca chegaremos lá. Lá, aonde? Lá na diferença radical onde mora o "outro". Há alguns exploradores: os veados, sapatões, travestis, que mergulham nesse mar e voltam de mãos vazias, pois nunca saberemos quem é aquele ser com útero, seios, vagina, aquele ser maternal, bom, terrível quando contrariado no "ponto G" da alma. Por outro lado, elas nunca saberão o que é um pênis pendurado, um bigodão, a porrada num jogo do Flamengo, um puteiro visitado de porre, nunca saberão do desamparo do macho em sua frágil grossura. Elas jamais saberão como somos. O amor é a tentativa de pular esse abismo. Eu sou hoje o que as mulheres fizeram comigo ou o que eu aprendi com elas, no amor ou no sofrimento. Eu descobri defeitos e qualidades que me formaram, como acidentes que me foram desfigurando. O que aprendi com elas? Não tenho ideia, mas sei que me mudaram. Eram como quebra-cabeças: ao tentar armá-los, eu achava que sabia tudo, mas entrava em novos labirintos. Com elas, loucas, sóbrias, boas e más, descobri que não tenho forma nem lógica e que sempre me faltará uma peça na charada.


2 comentários: (Postados no link acima)

  1. CALA A BOCA ARNALDO JABOR....... quanta idiotice!

  2. MUITA VERDADE NISSO...